segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O silêncio dos gorilas




Café da manhã com um amigo. Depois de alguns goles de chá, ele quebra o silêncio e diz: "Geórgia, vou te contar sobre o silêncio mais lindo da minha vida". Assim como a manteiga no brioche, meu coração simplesmente derreteu (porque confiar e ouvir sobre silêncio é tarefa delicada e especial).

Lá estava ele, há dez anos, com seu gravador e sua câmera, entre um grupo de pesquisadores e turistas que se dirigiam a um lugar onde viviam os gorilas em Ruanda. Durante o trajeto, o guia apresentava as recomendações, entre as quais manter uma distância mínima de seis metros daqueles animais majetosos, lindos e gigantes. Todos na van estavam eufóricos, talvez não tanto quanto os gorilas jovens, ele me disse. Os filhotes brincavam muito, enquanto os adultos, simplesmente se davam à vista em sua serenidade e mistério. Após a sua experiência única com os gorilas de Ruanda, ele, assim como todos, retornou à van no fim do dia. Mas a euforia inicial fora substituída por um profundo silêncio.

Abaixei a cabeça para beber meu chá já frio e disfarçar os olhos marejados. E agradeci em silêncio o presente que fora ouvir aquela história.

Comentei sobre "o silêncio dos gorilas" com a minha kalyanamitra ("amiga espiritual", em sânscrito), que fui visitar há alguns dias. E em cada pausa do meu relato daquele relato sentia que eu também buscava um silêncio dos gorilas para chamar de meu. Em mim, naquela pequena viagem, nos livros, gestos, paisagens percorridas e imaginadas. Havia acabado de chegar, depois da noite mal dormida no ônibus.

- Amanhã estamos programando um stand up. Não fosse isso a gente podia subir a Pedra da Gávea hoje...
- A gente pode subir a Pedra da Gávea hoje e ir pro stand up amanhã, oras. - disse eu, na minha completa ignorância do que era a Pedra da Gávea e o tal stand up.
- Então vamos!!!! - depois eu entendi o entusiasmo dela.

Fomos à casa dela para nos preparar para subir a Pedra. No caminho, ela me falava de um de seus professores de teatro, o Lolô, cujos exercícios levavam os alunos à exaustão física e a uma interpretação entregue. "Vai coçar, vai doer, vocês vão querer parar. Quando isso acontecer, aí é que vocês precisam continuar". Inevitável associá-lo ao meu lado "esforçado". Esforço demais, energia demais, eu precisava desapegar disso para alcançar a leveza. Precisava me livrar do meu próprio Lolô. E ela, que era leve demais, precisava do Lolô com ela. E a gente se divertia com a nossa sintonia às avessas.

Ela me levou para a Pedra da Gávea com uma outra conhecida. Meu entusiasmo era do tamanho da minha vontade de estar em silêncio (ela entendia), mas o alto astral da nossa companheira só podia ser expresso em palavras, muitas. O esforço físico da trilha me fez abstrair e focar na respiração, no ritmo do passo, nas raízes, terra e pedras que se tornavam cada vez mais íngremes e irregulares. Quando chegamos à carrasqueira, eu pensei ter atingido meu limite. Ela via degraus onde eu via pedras lisas a quase 90 graus. O esforço agora era físico e mental. Não me lembro de ter sentido um medo tão grande de algo que realmente pudesse me matar. Para pisar nas pequenas fendas das pedras, eu precisava estar descalça, tinha que necessariamente olhar para baixo e para cima, usar força e peso com inteligência. E acreditar. Minha kalyanamitra não me deixou desistir. Depois de alguns minutos (podem ter sido dez... ou trinta), "com a força de Lolô" e a ajuda dela, consegui subir. Fui a terceira a chegar ao topo da Pedra.

No topo da Pedra da Gávea


O primeiro movimento do meu silêncio dos gorilas foi ali. No topo da Pedra, aquela paisagem incrível do Rio de Janeiro me fez esquecer o medo, a iminência das cãibras, as pernas raladas, a pele queimada e sensível de mãos e pés no contato com as pedras. De longe, foi a coisa mais difícil que consegui realizar em toda a minha existência até aqui. Deitei na pedra longe das meninas, sob o sol das duas horas da tarde (tavez), e me permiti algumas poucas lágrimas em silêncio. Era dor e contentamento. Era a minha despedida de Lolô, daquele esforço imenso em sua história e diverso em seus motivos.

O segundo movimento aconteceu quando ela me mostrou a "sua" pedra. Do outro lado do topo, havia uma pedra pontuda, a mais alta, que depois de tudo aquilo eu só queria contemplar de longe. Ela mostrou como se subia e como se descia, subiu, desceu, subiu e lá ficou. E vendo-a lá em cima, com seu cabelão ao vento tão adequado àquele azul, eu só podia existir em gratidão.

Depois de uma descida muito difícil (possível também graças a dois "anjos da guarda" que estavam lá em cima quando chegamos e desceram conosco), com a floresta acordando ao cair do sol, sem Lolô, com muitas palavras, pouca paciência e músculos que não respondiam ao mais simples comando de "não tremer", fomos almoçar. Eram quase oito da noite.

O terceiro movimento do silêncio dos gorilas aconteceu no retorno para casa, tal como na história do meu amigo em Ruanda. Estava sentada entre a minha amiga e a nossa "alegre companheira das palavras". Elas conversavam sobre a experiência na pedra, perfis astrológicos e outras coisas de que não me recordo. Eu só conseguia olhar pra frente, fixamente, até que meus olhos se fechassem, tal como a minha bolha escandalosa de silêncio.

O Lolô, esse não voltará. Deixei no topo da Pedra. Ela já deve ter voltado lá pra pegá-lo pra si.









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